Publicação 23.01.2014 às 11:01
O usuário do transporte coletivo da Região Metropolitana de Porto Alegre tem o mesmo objetivo quando recorre ao ônibus ou ao trem: sair de um ponto e chegar a outro, de preferência com agilidade e conforto. Para ele, os modais que compõem o sistema são uma necessidade, e quanto mais opções de deslocamento forem possíveis, melhor. Para as empresas que operam esse serviço, o passageiro também é uma necessidade, tão importante que chega a ser alvo de disputa.
A expansão da Empresa de Trens Urbanos de Porto Alegre S.A. (Trensurb) no eixo norte, que, desde julho de 2012, inaugurou cinco novas estações no Vale dos Sinos – uma em São Leopoldo (Rio dos Sinos) e quatro em Novo Hamburgo (Santo Afonso, Industrial, Fenac e Novo Hamburgo) –, evidenciou essa competição. Enquanto a Trensurb prevê ampliar o número de usuários em 30 mil (projeção feita no início das obras, em 2009), as empresas de ônibus preocupam-se com a perda de competitividade na região.
Entre as duas situações, prevalece o interesse privado em detrimento do público, avalia o conselheiro do Conselho de Desenvolvimento Econômico e Social do Rio Grande do Sul (CDES-RS) e representante da sociedade civil no Conselho Estadual de Transporte Metropolitano (CETM), Mauri José Vieira Cruz. “O que a gente tem visto é que existe uma grande disputa de mercado entre as empresas do setor privado. O usuário às vezes tem que pagar duas tarifas por conta da reserva de mercado para a empresa A ou B”, relata.
O problema, acrescenta Cruz, não está no empresário receber os valores da tarifa, mas no fato de o setor privado deter uma força que deveria ser exercida pelo poder público. “Do nosso ponto de vista, enquanto sociedade civil, o sistema não pode ser visto como mercado”.
Equilibrar a situação, que envolve interesses múltiplos – dos usuários, das empresas e da esfera pública – requer muito diálogo. O CETM tem a função de congregar esses interesses e, ainda em janeiro, realiza a primeira reunião do ano. O tema que tem despontado como o principal debate em relação à mobilidade urbana na Região Metropolitana é a integração do transporte coletivo, tida como a iniciativa que pode minimizar essa disputa, além de beneficiar a população com a oferta de mais alternativas de deslocamento na região.
Aumento da rede resultará em aquisição de novos trens
Ampliar a oferta de serviço para o eixo norte é uma necessidade crescente da Empresa de Trens Urbanos de Porto Alegre S.A. (Trensurb). A rota se mostra cada vez mais carregada em termos de mobilidade urbana - em parte pelo desenvolvimento econômico, mas também pelas universidades, que ficam ao longo do eixo, e geram demanda permanente e crescente, diz o coordenador das obras de expansão da Trensurb, Lino Fantuzzi. “É uma característica de todo sistema de metrô, que tem de estar permanentemente planejando expansões, porque assim viabiliza melhor todos os investimentos anteriores”.
Recentemente, cinco novas linhas foram inauguradas no eixo norte. As duas primeiras foram Rio dos Sinos (em São Leopoldo) e Santo Afonso (em Novo Hamburgo), que estão operando desde julho de 2012. Novo Hamburgo recebeu, no segundo semestre de 2013, mais três linhas, que estão em fase de pré-operação: Industrial, Fenac e Novo Hamburgo. Todo o sistema de trem, agora, conta com 43 quilômetros de extensão, desde a estação inicial (Mercado, em Porto Alegre) até a final (Novo Hamburgo).
A ampliação e o número crescente de passageiros reforçam a necessidade de ampliar a frota de trens. Em novembro, a Trensurb atendeu, em média, 196.749 usuários por dia. Quando a expansão começou a ser estudada, em 2009, a projeção de novos passageiros era de que chegasse a um aumento de 30 mil pessoas por dia. O número foi fixado com base no volume de usuários da época, cuja média era de 150.640 pessoas.
A frota é a mesma desde que o serviço foi inaugurado, em 1984. No total, a Trensurb tem 25 composições em funcionamento. Cada composição possui quatro veículos. Aos 100 carros que operam atualmente, devem se somar mais 60. Estes são decorrentes da aquisição de 15 composições, que começam a ser entregues a partir de abril, afirma Fantuzzi. Os 160 carros, entre novos e antigos, devem estar operando na totalidade apenas em 2015.
Sobre o tempo de operação da frota, o coordenador explica que os carros, embora sejam da década de 1980, “estão em plena condição de funcionamento”. Regularmente, explica, são feitas manutenções preventivas. “Eles estão em condições de atender por muitos e muitos anos”.
Além da aquisição de novos trens, para operar o sistema depende de viabilização da infraestrutura. Nesse sentido, os municípios que recebem novas estações, muitas vezes, são beneficiados ainda com investimento nesses setores, destaca Fantuzzi. “Acaba-se agregando melhorias ao longo das linhas dos municípios. Em São Leopoldo era prevista uma ponte rodoviária sobre o rio dos Sinos e, com a via, se implantou a avenida Mauá, interligando São Leopoldo a Novo Hamburgo”, exemplifica.
No eixo, também foi necessário o reassentamento de 730 famílias, que viviam em áreas invadidas quando foi iniciada a expansão. “Em Novo Hamburgo, o maior benefício para a cidade, além da implantação das novas linhas, foi a obra de canalização do arroio das Nações Unidas, que transbordava com chuva de baixa intensidade.”
Para ampliar competitividade, a Metroplan propõe unificação com redução das tarifas
O superintendente da Fundação Estadual de Planejamento Metropolitano e Regional (Metroplan), Oscar Escher, lamenta que, diferentemente do trem, os ônibus metropolitanos estejam com a frota defasada e com perspectivas menos animadoras do que as possíveis para o transporte ferroviário. “O trem hoje, por razões históricas, não legais, desfruta de uma autonomia. Ele foi colocado naquela condição de troncal do eixo norte, e para que ele pudesse no tempo cumprir o seu carregamento planejado, ele teve que recorrer a cortes das linhas metropolitanas, para que elas chegassem só até a estação e não dessem continuidade”.
Escher reclama da política de desconto da empresa, que promoveu uma tarifa menor quando comparada à metropolitana. “É a chamada tarifa de integração, que nunca foi discutida, sempre foi um acerto econômico entre operador sobre pneus e operador sobre trilhos e aconteceu entre Canoas e Sapucaia do Sul”. A prática, com o tempo, gerou desequilíbrio financeiro para as empresas de ônibus, explica o superintendente. “As empresas que operam em Canoas, Esteio e Sapucaia do Sul não tiveram capacidade de renovar a frota. Essas empresas estão deixando de melhorar os serviços”.
As empresas de ônibus dos outros eixos, com isso, têm que fazer repasse às empresas do eixo norte para suprir o déficit operacional. A transferência de verba, que não é usada para investimento, mas para manutenção do serviço, ressalta Escher, chega a R$ 250 mil. Segundo o superintendente da Metroplan, a proposta mais viável para aumentar a competitividade do ônibus frente à expansão do trem é unificar e reduzir a tarifa. “Estamos atrás de R$ 600 mil por mês para as empresas poderem comprar 20 veículos novos e renovar a frota, melhorando o serviço. Os estudos apontaram que, com a inserção da BR-448, a superlotação do trem e a recuperação das linhas metropolitanas, estamos trabalhando com a certeza de que teremos mais 20 mil passageiros por dia”.
A proposta, que foi aprovada pelo CETM em dezembro, está centrada na redução da tarifa, que chega a até 46%, considerando todo o trecho Norte. A intenção é equiparar e reduzir as tarifas nos ônibus que operam até Porto Alegre. O valor fixado pelo projeto é de R$ 2,65 no trajeto entre municípios, assegurando redução de 10% em Sapucaia do Sul, 38% em São Leopoldo e 46% em Novo Hamburgo. Atualmente, são cobrados 11 valores diferentes no eixo norte e 30 em toda a Região Metropolitana.
Escher destaca que os novos valores podem entrar em vigor assim que a proposta receber o aval da Agência Estadual de Regulação dos Serviços Públicos Delegados do Rio Grande do Sul (Agergs), beneficiando imediatamente 250 mil usuários. A tarifa única deve vigorar por 12 meses, mas, nesse período, deve ocorrer reajuste das passagens, antecipa o superintendente.
CETM reinicia discussão para compatibilizar modais
Reiniciadas as discussões no Conselho Estadual de Transporte Metropolitano (CETM), o primeiro passo a ser dado rumo a integração do transporte metropolitano é o diálogo com os municípios da região para firmar convênios, revela o secretário estadual de Obras Públicas, Irrigação e Desenvolvimento Urbano (SOP), Luiz Carlos Busato. A Capital é fundamental nesse processo, detalha. “Porto Alegre é de suma importância, porque tem praticamente 50% dos usuários do sistema. Então, é fundamental que esteja incluída, e eu percebo uma boa vontade muito grande por parte do prefeito, do presidente da Empresa Pública de Transporte e Circulação (EPTC), Vanderlei Capellari”.
A adesão dos municípios é essencial para tornar possível um projeto grandioso, o de fazer com que a Região Metropolitana de Porto Alegre seja a primeira no País a contar com um sistema de transporte público totalmente integrado. “No Brasil, não existe nenhum modelo de bilhete integrado que tenha 100% de funcionamento. No exterior, existem várias cidades com um sistema bastante avançado, como Barcelona e Roma, e é nesses sistemas que nós estamos nos baseando.” O modelo a ser implantado, acrescenta Busato, terá tecnologia de ponta.
O primeiro desafio a ser enfrentado neste momento é engajar prefeituras no processo, já que, para alcançar a abrangência desejada para integração, é fundamental que haja, primeiro, integração entre prefeituras, empresas de transporte e o governo do Estado. A gestão do novo modelo, no entanto, depende de outras ações, como a criação de um conselho metropolitano e de um fundo, que será responsável por gerir todos os recursos e deve ser criado ainda no primeiro trimestre, projeta Busato. “Todas as compensações vão ser feitas dentro desse fundo”.
Para o secretário de Obras Públicas, o avanço é certo, em função dos investimentos em infraestrutura, que asseguram mais de R$ 500 milhões para utilização na área de mobilidade urbana. “São R$ 315 milhões do PAC 2 e R$ 200 milhões do PAC 50. São investimentos pesados, que vão ser feitos nos corredores e nas linhas e que vão possibilitar que a gente, então, parta para a segunda etapa, que é a mudança tecnológica do sistema”.
O conselheiro do Conselho de Desenvolvimento Econômico e Social do Rio Grande do Sul (CDES-RS) e representante da sociedade civil no Conselho Estadual de Transporte Metropolitano (CETM), Mauri José Vieira Cruz, destaca que essa é uma grande oportunidade para a Região Metropolitana. “O pior cenário é não aproveitarmos este momento. Temos pressão da sociedade e temos recursos públicos, o pior cenário é não aproveitarmos isso”, pondera. Cruz defende o protagonismo do governo na condução desse processo como uma necessidade, e espera que, até o meio do ano, já exista alguma mudança estruturante para a mobilidade urbana.
A integração deve chegar primeiro ao eixo norte da Região Metropolitana, estima Busato. Segundo o secretário, a expectativa é que, ainda em 2014, seja implantado um modelo de bilhetagem eletrônica que permita a integração entre os modais de transporte. “Para levar a integração para o restante da região ainda falta a implantação do metrô de Porto Alegre. Com o metrô dois (na Capital) será possível integrar Alvorada, Gravataí, Cachoeirinha e Viamão”.
Como vantagens, avalia Cruz, a integração vai diminuir a concorrência entre as empresas do setor, além de beneficiar o usuário, com mais alternativas de deslocamento, e o meio ambiente, já que as linhas rodoviárias do sistema vão poder se organizar de forma estratégica para atender ao público.
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